sábado, 29 de setembro de 2007

O pote de feijão

Sempre que um bom amigo está para casar, é papel do amigo separado assumir o papel de "Sábio da Montanha" e tentar passar um pouco da sua própria experiência.

A primeira hora de "sabedoria" realmente tem umas dicas importantes. Mas à medida que as doses vão descendo, a discussão começa a ficar realmente mais interessante.

Durante uma dessas discussões alcóolicamente inspiradas, começamos a enumerar as vantagens e desvantagens da vida de casado. Obviamente não levou mais do que 10 minutos para que um dos mais eloquentes, e recém casado por sinal, bradasse aos ventos: "Casado tem transa garantida!"

Mas será que tem mesmo?

Foi proposto na mesa o seguinte experimento para ele e para o em breve recém casado:

- Arranje um pote e o coloque em um lugar seguro, longe de acidentes, e que não esteja visível. Não precisa ser muito grande, nem transparente.

- Sempre que rolar uma transa, desde as mais elaboradas até as extremamente rápidas, coloque um grão de feijão no pote.

- Repita o procedimento nos primeiros 2 anos de casamento.

- Ao se completarem os dois anos, inverta o procedimento. Sempre que rolar uma transa, desde as em datas comemorativas até as monótonas de sábado, tire um grão de feijão do pote.

A conclusão esperada... você vai ter feijão pro resto da vida!

Curiosamente, os separados e casados de longa data começaram a rir compulsivamente enquanto os futuros e recém casados rapidamente mudaram de assunto.

sábado, 15 de setembro de 2007

A Mulher Madura

A Mulher Madura

Affonso Romano de Sant'Anna


O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

(15.9.85)

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

O Problema da Quarentena

Já estava desistindo de assumir meu status de separado em francas conversas de mesa de bar. Afinal, era só dizer a palavrinha que a resposta sempre era curiosidade e estranheza das novas conhecidas. Mas graças à fiel curiosidade feminina, percebi que a razão não era o estado civil propriamente dito. E sim mais uma das várias ironias estatísticas que rodeiam a vida de um separado.

De todas as perguntas que já me foram feitas sobre a separação nessas exatas ocasiões alcóolicas, existem três perguntinhas que, em suas várias variações, sempre buscam as mesmas informações:

1 - Qual dos dois levou o pé na bunda?
2 - Há quanto tempo você está separado?
3 - Vocês tentaram voltar alguma vez?

Até pouco tempo atrás, eu achava que tratava-se de mero instinto novelístico. Essa necessidade de conhecer os detalhes de uma história de amor, romance, perda e tragédia, sem ter que esperar o folhetim do fim de semana.

Foi numa peça de teatro que a ficha caiu. A personagem, uma solteira louca pra casar, deu a dica: "recém separado é uma fria... o trauma da separação dura de 2 a 6 anos".

Foi só uma peça de teatro, mas me lembrou de uma estatística mais oficial. O período considerado "psicologicamente" saudável para um separado aceitar a perda e voltar a se envolver com outra pessoa varia de 1 a 2 anos.

Conclusão? Assumir sua condição de separado pode ser um bom início de conversa. Mas jamais -- e insisto no jamais -- confesse que foi você quem levou um pé na bunda... Conte uma história mais romântica. Que a vida não quis que vocês ficassem juntos, que a chama apagou e cada um foi para o seu lado. Que o destino os colocou em caminhos separados. E principalmente, que você já saiu do período de quarentena.